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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Usina Catende: um exemplo de autogestão

Aos 11 anos, experiência de autogestão de usina de cana-de-açúcar, em Pernambuco, garante sobrevivência a mais de 3 mil famílias e promove educação e pesquisa.

Por Goretti Soares, de Catende (PE). Fonte: http://www.ipea.gov.br/desafios/edicoes/27/artigo31002-3.php

Produção
Na última colheita, em 2005, a Usina Catende produziu 337 mil toneladas de cana e 629 mil sacos de açúcar. Foi um período difícil, no qual a seca atrapalhou parte da safra.Neste ano, a expectativa é que a produção atinja as 450 mil toneladas. O principal comprador é a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão ligado ao Ministério da Agricultura que garante a compra antecipada de um terço da produção e ainda se compromete a corrigir o valor de mercado na saída da safra. É o grande estímulo à gestão compartilhada, já que os trabalhadores administram uma massa falida, que não tem personalidade jurídica para vôos próprios.No ano passado, a negociação com a Conab gerou um montante de 7 milhões de reais.Outros 30 milhões foram obtidos com vendas de açúcar e melaço na região e em outros estados. Mas,para efetuar essas negociações, eles ainda não conseguiram se livrar da figura do atravessador.“É uma forma de venda onde perdemos um pouco, mas ela é necessária, porque garante o pagamento dos salários mês a mês.Com a parte da renda que vem da Conab,fazemos a manutenção do maquinário,a recuperação do plantio e a compra dos insumos.São atividades nesse período de entressafra, quando não há produção.Na safra, já temos o compromisso de pagar o que a Conab antecipou,e isso temos feito com sucesso”,explica Marivaldo Andrade,síndico e administrador da usina, simplificando o processo de produção e renda.

Outra forma de garantir o replantio é por meio de financiamento bancário para agricultura familiar.“Já estamos no quarto ano de custeio e investimento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf-C) do Ministério do Desenvolvimento Agrário.O crédito é feito diretamente para cada um dos agricultores, no projeto Cana do Morador, auxiliados pela cooperativa.“O crédito é individual porque ainda não há empresa,e sim massa falida”, explica o síndico Andrade.Nos últimos quatro anos, entre custeio e investimento eles já conseguiram operar cerca de 9 milhões de reais.Andrade diz que praticamente ainda não há lucro, mas também não há déficit.“Quando acontece de sobrar alguma coisa, a gente investe em capacitação dos trabalhadores”,conta.Os administradores orgulham-se de sempre cumprir com o pagamento de 100% dos empréstimos e, com isso, ter conquistado crédito e eliminado a desconfiança que havia no passado.“ Quando tudo começou, ninguém queria emprestar dinheiro.Achavam que, se os usineiros às vezes não honravam os compromissos, como é que simples trabalhadores iriam fazer isso? Agora tudo mudou”, comemora Andrade.No último financiamento com o Banco do Brasil, eles conseguiram arrecadar verba para a compra de doze tratores que vão incrementar a colheita.Mesmo ainda não gerando lucros reais,o projeto Catende-Harmonia comemora uma conquista:em uma única safra, a usina gerou 37 milhões de reais, mais do que a soma de todo o Fundo de Participação (FPM) dos cinco municípios onde ela mantém os engenhos.

Investimentos
Os bons frutos colhidos pelo projeto Catende-Harmonia não vêm apenas da terra.Quando o processo de autogestão teve início,há pouco mais de uma década,o índice de analfabetismo entre os moradores dos engenhos da Usina Catende era de 85%.Hoje eles comemoram a queda para 25% e pretendem zerar esse índice nos próximos anos.

O grupo administra uma escola que abriga quatrocentos alunos, filhos de moradores. Cursos de capacitação são freqüentes. Neles,os agricultores aprendem a lidar com créditos, empréstimos e a participar do gerenciamento da indústria.Também são realizados experimentos científicos. Em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia, um grupo de quarenta jovens, filhos de agricultores, entre 17e 24 anos,participam de estudos para o melhoramento da qualidade da cana.Eles tentam desenvolver um produto resistente às pestes que atacam a lavoura.Outro projeto de qualificação profissional na produção e na indústria,em parceria com o Ministério do Trabalho e uma associação que envolve 107 jovens,pretende evitar o êxodo rural e estimular as novas gerações a ter gosto pela terra e saber lidar com ela. O nome da associação não poderia ser mais sugestivo: Puama,que na linguagem indígena significa “rosa que nasce das pedras”.“É o nosso projeto de futuro. São eles que vão continuar o nosso duro trabalho de autogestão”, diz Andrade.Na policlínica gerida pelas mulheres trabalhadoras, são realizados atendimentos voltados para a saúde da mulher e das crianças.

O secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, Paul Singer,vê o modelo,ainda em construção, em Catende como um verdadeiro desafio à democracia.“No Brasil, já existem experiências similares depois de Catende, mas nenhuma em grande escala como acontece na usina.Algo parecido só conheço na cidade de Mondragon, no País Basco (província espanhola),onde um modelo de autogestão em grande escala existe há onze anos e hoje é um dos principais grupos empresariais da Espanha.”Paul Singer espera que o exemplo de Catende seja seguido e estimulado.“É preciso vontade política para que outras empresas consigam seguir os caminhos traçados pela Usina Catende.Empresas do campo, da cidade e indústrias, com maior ou menor complexidade.” Ele também acredita que, com a posse das terras,o processo não será revertido.“ Acho que o crescimento será ainda maior.Hoje existe mais liberdade em Catende do que em qualquer outro momento. É graças a esse regime democrático,que é um exemplo para todo o país.A autogestão dá mais do que autonomia ao trabalhador. Oferece a possibilidade real de crescimento individual e coletivo.”

Para os administradores da Usina Catende, é nesse sentido que a autogestão caminha, começando pela desapropriação definitiva dos 26 hectares que estão sub judice. Antes eles lutam para reintegrar de fato cerca de oito hectares que foram repassados fraudulentamente a outras empresas. São entraves para o crescimento de um modelo inédito de autogestão, que ainda não tem previsão para ter fim devido aos muitos recursos judiciais.“Enquanto isso não acontece, a gente tem de administrar sem muita expectativa de crescimento, já que ainda não somos uma empresa sadia para competir no mercado. A cada três meses, prestamos contas de nossas atividades à Justiça,com a esperança de que em breve tenhamos a posse definitiva das terras com a reforma agrária.De qualquer forma, só estar participando deste momento e construindo esta história junto a todos os trabalhadores,e ter recuperado a dignidade das famílias,já é um fato diferenciado e importante para nosso estado e nosso país”, conclui, esperançoso, Andrade.

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