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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Simples Questões



Nesse fim de semana pude participar de um evento um tanto simples, mas deveras sofisticado na leveza natural com que simplesmente ocorria pelos dias previamente marcados. Tratava-se do 1º Encontro Nordestino de Educação Popular em Saúde, um tema ausente nas nossas bibliografias de cada dia, porém, pude notar ser bastante presente nas rodas sociais academia afora. Certamente foi um encontro singular. Acostumado aos moldes dos simpósios, palestras, mini-cursos e afins, a experiência mais aberta que antes pude participar tinha sido o EREP – encontro regional de estudantes de psicologia. De certa forma o evento de Camaragibe me lembrou um pouco o modelo do EREP. Não pelas discussões, mas pela abertura que as pessoas demonstravam em parar pra conversar, dividir, compartilhar e simplesmente somar redes de contatos e possibilidades. Porém, o que o diferenciou do nosso encontro estudantil (falo de simbolismos, não de estruturas ou objetivos, mas puramente da marca simbólica que tais eventos registraram em mim, portanto posso compará-los sem erro algum), foi justamente os lugares que os participantes ocupavam dentro de nosso sistema social. Confesso que fiquei encantado quando fui percebendo a que o Encontro de educação popular se propunha. Antes de qualquer temática abordada, havia ali naquele espaço dezenas de representações dos mais diversos movimentos sociais populares do Nordeste. Tinham pessoas, que não só trabalhavam, mas sentiam na própria pele, as causas e consequências daquilo que passaram a defender. Havia pessoas da causa indigenista da Bahia, haviam pessoas ligadas a CAPS em vários estados, havia gente do MST, residentes de equipes multiprofissional, grupos de idosos educadores em saúde – IESO, e pra minha surpresa maior, um grupo organizado de parteiras, benzedeiras e raizeras. Nos moldes que o evento seguiu, todos tinham voz e direito ao microfone, se assim quisessem. E quiseram. Marcou-me muito a fala de dona Josefa, parteira há mais de 50 anos (51, 52 se não me engano), singela defensora da causa popular, onde ao ver o marasmo das pessoas pós-almoço pediu o microfone e falou:

“Vocês tão cansado? Vocês tão é de bucho cheio e na sombra só conversano e palestrano, vocês iam ta cansados é se tivessem trabalhando na enxada no sol quente...” E aí ela destrinchou um discurso lindo e acalorado. Valendo-se de suas palavras simples, defendeu a valorização das mulheres nos espaços e movimentos sociais, defendeu sua profissão de parteira, e mais uma série de questões.

Mas enfim, voltando...

Fato é que a participação nesse evento me fez refletir algumas coisas, coisas estas que resolvi compartilhar com vocês.

Pela primeira vez (talvez eu seja uma pessoa um pouco aérea mesmo, ou talvez o modelo de rotina que adotamos propicia isso...) percebi, que não necessariamente se precisa ter títulos ou conhecimento teórico para conseguir trazer modificações plausíveis aos seus contextos. Percebi que gente que mal sabe ler, pode se tornar forte e convicto crítico das estruturas políticas e econômicas vigentes. Nesse ponto, talvez a vivência valha muito mais do que o vocabulário. Então me pergunto, segundo essa linha de pensamento, qual dos dois teríamos após os longos cinco anos de formação, Vivência? Vocabulário? É bem fácil responder. E nós que ainda cometemos a audácia de achar que sabemos alguma coisa sobre lutas sociais só porque lemos algum comentador falando em algum livro sobre. E pior, julgamos (porque sabemos nos expressar bem) ser mais capacitados pra falar/lutar por algumas pessoas do que elas mesmas. Me pergunto então, eu teria o mesmo espírito crítico, a mesma vontade de mudar sistemas, as mesmas tentativas firmes do que aquela senhora que por ser pobre passou fome, e depois de idosa resolveu defender suas crenças e práticas contra um modelo farmacológico cada vez mais hegemônico? Tudo bem que posso saber falar dessas coisas com vocábulos julgados mais apropriados, mas desconsiderando isso, o que mais tenho?

Teorias? É, talvez unicamente teorias.

E justo por isso começo a me questionar,

Essas teorias todas das quais somos constantemente estufados, podem ajudar pessoas concretas, com seus enormes problemas concretos?

Tenho medo da resposta, pois por enquanto, ainda preciso reproduzir um pouco mais essas mesmas várias teorias. Pra que eu, simbolicamente investido como psicólogo, ilusoriamente acredite ser capaz de começar a pensar do modo como dona Josefa, por sua vida dura, já pensa desde a infância.

Marcelo

2 comentários:

  1. ow marcelo, adoro quanto tu posta aqui :)
    faz sempre?
    beijo!

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  2. adorei as palavras. não pude estar no evento apesar dos convites - o teu, Marcelo, por exemplo - fico feliz dele ter sido desestabilizador e fertil em produzir perguntas.
    De fato, por vezes, adotamos - falo como psicologo/pesquisador - a postura de falar das/pelas pessoas que vivem certas relações de lutas, deixamo-nos seduzir pelo poder de traduzir-las. Esquecemos que é do centro das relaçoes de poder que a resistência brota, sempre, e aqueles/as que as vivem tem algo a dizer e não precisam que alguém fale por eles/as. O bom é que "por vezes" nos seduzimos, noutros, resistimos também.
    abraços, meu amigo

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